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  • Foto do escritorLucas Freitas

Pensamentos sobre o folclore brasileiro

Uma breve reflexão sobre minha jornada de conhecimento sobre o folclore brasileiro e o que ela trouxe para minha carreira de escritor


Se você me segue em meu perfil no Instagram, se não cola lá, já deve ter visto o post que fiz para o Dia do Folclore, comentando um pouco sobre minha relação com o mesmo. Ainda que não seja muito diferente do que saiu por lá, este artigo pretende ampliar um pouco mais a discussão que levantei lá no @lucasfreitas679, trazendo mais alguns detalhes e informações.


Assim, puxe uma cadeira e seja bem-vindo a mais uma de minhas divagações = )


Mula sem Cabeça, uma das criaturas mais conhecidas do folclore brasileiro

Pois bem, já de algum tempo que eu gostaria de falar sobre esse tema, não só por motivos de gosto pessoal, mas também porque, cada vez mais, o folclore brasileiro tem se tornando a matéria-prima não só para minhas produções literárias, como também de uma série de outros projetos.


E uma vez que estamos no Dia do Folclore (22/08), que diga melhor do que este para a saída do texto?


Em termos gerais, e de um jeito beeem resumido, folclore é o nome que damos para o conjunto de manifestações culturais (contos, causos, danças, tradições e costumes) que tem sua origem no meio popular, e são transmitidas e perpetuadas pelo próprio povo. Tanto é que o próprio termo folclore vem da junção dos termos folk (povo) e lore (tradição/conhecimentos), e pode ser traduzido em sentido literal como algo no sentido de "saberes do povo".


É isso que permite, por exemplo, que elementos como lendas urbanas e até mesmo creepypastas entrem na categoria de folclore, segundo alguns pesquisadores.


Mas isso já é tema para uma outra discussão.


Retornando ao ponto, eu preciso dizer que meu contato com o folclore sempre foi realizado de modo esporádico e bem, bem fragmentado.


Como uma cria dos anos 90, e uma cria da cidade, ainda por cima, cresci praticamente dentro de casa, tendo por base desenhos animados e quadrinhos de fora  - geralmente de origem norte-americana. Sim, eu fui uma daquelas crianças que cresceu com base nos quadrinhos da Disney ao invés de Turma da Mônica. Como consequência, boa parte do meu imaginário e repertório, de lendas ou de monstros, de situações e cidades, foi moldado por influência estrangeira. Tanto é que, mesmo hoje, se você parar para me perguntar a respeito de uma cidade, muito provavelmente minha referência será uma Nova York, por exemplo, antes de qualquer outra cidade nacional - até mesmo com relação à minha própria cidade.


Ei, Arnold - um dos meus desenhos preferidos de quando era criança

De fato, ainda tenho pra mim que, se fosse jogado por um dia em Nova York, me localizaria melhor lá do que se fosse jogado em qualquer parte de minha João Pessoa.


Sei que pode parecer um exagero, mas, sendo bem sincero, é esse o nível do que poderia chamar de minha alienação.


Isso não significa que não tenha tido qualquer tipo de contato com o folclore brasileiro na minha infância, uma vez que festas como o próprio São João são repletos de tradições e lendas folclóricas. Mas fora essas festas, meu contato com nosso mitos e lendas foi bem limitado a um ou outro livro, ou a uma ou outra edição da saudosa Recreio.


Uma formação bem precária, eu admito.


Essa situação só veio a mudar muito tempo depois, quando eu comecei a trabalhar mais com escrita. Aqui, preciso dizer que não terei como dizer a ordem exata dos acontecimentos, uma vez que já se passou um bom tempo desde então. O que sei é que, posso elencá-los na seguinte lista: 1) Com o tempo, comecei a me sentir curioso para conhecer mais do trabalho de outros autores e autoras brasileiros, talvez para obter um referencial, ou mesmo, um senso de pertencimento nesse universo que estava tentado me inserir


Nesse processo, o podcast Ghostwriter foi de extrema ajuda, me apresentando uma série de autores e autoras que eu, em minha mais completa ignorância, sequer podia imaginar que existiam. E uma delas foi a escritora Simone Saueressig e seu livro Contos do Sul


Simone Saueressig e Contos do Sul, seu livro de contos de terror baseado no folclore brasileiro

Nesse livro, a autora apresenta uma série de contos de terror com personagens de nosso folclore, como a Iara e o Saci, por exemplo, resgatando a perspectiva aterrorizante que originalmente perpassa essas lendas, e que, muitas vezes, são deixadas de lado pelos livros infantis e adaptações que buscam apresentar nossas lendas.


2) Pouco tempo depois desse primeiro contato com o folclore nacional inserido no contexto de terror, vim me deparar com o Sete Monstros Brasileiros, de autoria do Braulio Tavares, encontrado ao acaso em uma das livrarias da cidade.


Braulio Tavares e Sete Monstros Brasileiros mais um livro que toma por base nosso folclore

Da mesma forma que o Contos do Sul, Sete Monstros Brasileiros apresenta uma seleção de monstros de nosso foclore inseridos no universo do terror. A escolha dos monstros, no entanto, difere por inteiro daquela da escritora gaúcha, e mesmo a única lenda que é repetida, é alterada pela perspectiva que o mito assumido no Nordeste.


De fato, esses dois livros foram de extrema importância por me mostrarem não só como utilizar nosso folclore no contexto de uma história de terror, mas principalmente por apresentarem a flexibilidade do mesmo para histórias.


3) Um outro fator de extrema importância, e talvez o ponto de virada definitivo, veio através da participação do projeto Narrativas em Cordel, da UFPB, conduzido pelos mestres Alberto Pessoa e Alexandre Câmara, que me colocou em contato com o universo do cordel e da cultura popular de uma forma até então inconcebível.


De fato, para além de minha primeira publicação em quadrinhos e cordel no formato do álbum Amargo Despertar, essa participação foi um ponto de virada para mim, uma vez que deu início às minhas primeiras pesquisas e estudos a respeito do tema, o que me levou a descobrir autores como Câmara Cascudo (1898-1986) e Gilberto Freyre (1900-1987), que hoje são uma influência constante em boa parte de minha produção.


Duvida? Bem, apesar da memória não ser, nem de longe meu forte, posso dizer com certeza que muitos de meus contos passaram por essas pesquisas. O cordel O Encontro do Lobisomem Americano com seu Primo Capelobo (2019), por exemplo, assim como o conto Os Sinos de Santo Antão (2021), vencedor da V edição do Prêmio ABERST e fortemente influenciado pelo Superstições do Brasil, de Cascudo; e, mais recentemente, contos como Dia da Caça (Carnage,2023) e Prosa (Dark Angels, 2024).


Montagem com capas de edições da Diário Macabro, Aqueles que vem com o Medo e Nordeste Assombro, todos com contos que lidam com o Folclore brasileiro

Para aAlém dos contos, essa pesquisa e ampliação de repertório me permitiu participar também de outros projetos, como a pequena consultoria/ troca de ideias com o pessoal da Casa Fluxo para a realização da abertura do Festival Oxente de 2024, que teve, como tema, mitos e lendas do folclore brasileiro.


Não só isso, posso dizer que todo esse processo tem me ajudado também a desenvolver um maior senso de pertencimento com minha própria terra e cultura, me ajudando a me situar um pouco melhor no mundo.


Apesar de ser um final positivo, eu não posso deixar de considerar essa como sendo uma situação bem triste.


Afinal, o não conhecimento dessas lendas, e, em maior extensão, de meu próprio país, afetou bastante não só meu relacionamento com minha própria cultura, mas também a minha própria escrita, uma vez que, por muito tempo, me vi reproduzindo contextos, situações e causos "de fora", devido a maior familiaridade com os mesmos, produzindo textos que, apesar de bons, perdiam substância e força.


E aqui gostaria de fazer um pequeno aparte.


Não acredito que exista texto ou arte 100% original, uma vez que, consciente ou inconscientemente, iremos sempre buscar nossos modelos e referências. Ainda assim, existem situações e contextos onde a imitação pode ser algo ruim, ou, pelo menos, sem sentido. Imagine, por exemplo, a pá de histórias que temos com personagens com nomes estrangeiros, mas em contextos "nacionais". Um Michael Hellman andando na praia, ou um Timmy perdido numa mata. Isso não apenas soa estranho, como também passa muito perto do terreno do pastiche, gerando uma obra que não se conecta com o seu entorno.


Isso não quer dizer que eu sou um daqueles caras que defendem que autores e autoras nacionais só devem trabalhar com temas nacionais. De modo algum. Como artistas, nosso ofício exige que tenhamos liberdade de usar e trabalhar as fontes e temas que quisermos, do jeito que quisermos, independente de sua origem. De fato, se um criador ou criadora tiver que optar por trabalhar com temas nacionais, que seja por sua vontade, não por algum tipo de obrigação.


Da mesma forma, também não digo que devemos apenas pegar o material que já temos e utilizá-lo de qualquer jeito. Como todo e qualquer produto social, nossos mitos e tradições falam bastante sobre a sociedade e época em que nasceram, de modo que, muitas vezes, precisamos parar e pensar no que aquela lenda nos diz, e entender o como - e se - essa história faz sentido nos dias de hoje.


Assim, o que digo, é que devemos sim procurar em todos os lugares, e usar aquilo que quisermos mas, que é importante que também olhemos com um carinho especial para nossa casa, para que assim possamos não apenas nos entender melhor como pessoas e sociedade, mas também entender o que ainda não feito, e as possibilidades do que ainda podemos fazer.


Não só isso, nunca sabemos que tipo coisinhas esquisitas e assustadores podemos encontrar a nossa espera por lá. E muitas vezes, é daí que surgem as melhores ideias = )


 

Então, ao longo deste artigo eu mencionei uma série de trabalhos - meus e de outros - que lidam com o folclore de uma forma ou de outra.


Nesta sessão, vou deixar alguns links para que você possa adquirir essas obras através da Amazon. Lembrando que, ao comprar por aqui, você estará dando uma força para este que vos escreve, certo?


Então, desde já, meu muito obrigado!



Sete Monstros Brasileiros - Braulio Tavares

Assombrações no Recife Velho - Gilberto Freyre

Superstições no Brasil - Luís da Câmara Cascudo

Geografia dos Mitos Brasileiros - Luís da Câmara Cascudo

Contos do Sul - Simone Saueressig

Aqueles que Surgem com o Medo - Dia de Caça

Nordeste Assombrado - Prosa

Um Encanto de Cordel - O Encontro do Lobisomem Americano com seu Primo Capelobo



 

Referências:


ABERST - Vencedores do V Prêmio ABERST de Literatura

Ghost in My Machine: Lost and Found - The "Cameraheads" Creepypasta, Mystery and the Pitfalls of Internet Preservation

Ghostwriter (Podcast)

Ghost Writer 40: Quatro autoras fantásticas.

Marca de Fantasia - Amargo Despertar

Monstrum: Is Siren Head the Ultimate Modern Monster? (vídeo)

Perfil do Instagram: Braulio Tavares (@brauliotavares13)

Perfil do Instagram: Escola de Pole Dance Casa Fluxo (@casafluxo)

Perfil do Instagram: Festival Oxente (@festivaloxente)

Perfil do Instagram Simone Saueressig ( @simoneescritora)

UFPB (site oficial) - Estudante da UFPB vence prêmio nacional de literatura


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