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  • Foto do escritorLucas Freitas

Mas afinal, para que serve o Esquadrão Suicida?

Atualizado: 18 de abr.

Uma pequena discussão sobre essência narrativa a partir do Esquadrão Suicida, uma das equipes mais antigas - e peculiares - da DC Comics.


Detalhe de Capa de Esquadrão Suicida

Bem, recentemente, a internet - ou pelo menos a parte da internet ligada à área gamer - tem estado em polvorosa devido ao caso do jogo Suicide Squad: Kill the Justice League, seja pela questão narrativa óbvia presente no título, seja pelo fato do jogo ter sido praticamente eclipsado pelo hit surpresa Palworld.


Hoje, não falarei sobre nenhum desses dois temas = ) Se você já segue a Galeria da Meia-Noite há um certo tempo, sabe que eu sempre evito participar de debates desse tipo, antes preferindo trazer uma perspectiva diferente sobre o mesmo tema, como no caso dos Peixes de Gyokoo, que você pode conferir aqui.


Mas então, você deve estar se perguntando, sobre o que será o artigo de hoje?


Sobre identidade narrativa, mas antes de chegarmos lá, precisamos conhecer um pouco sobre nosso objeto de estudo: o Esquadrão Suicida.


Vamos lá?



  • O Primeiro - e Segundo - Esquadrão Suicida:


Acho que a primeira coisa que devemos levar em conta aqui é que a versão que conhecemos hoje do Esquadrão Suicida é, na verdade, a terceira encarnação do grupo.


Capa de The Brave and the Bold v1.#25 (1959) - A Primeira Versão do Esquadrão Suicida

Originalmente, o Esquadrão Suicida foi uma equipe criada em 1959 pelo roteirista Robert Kanigher (1915-2002) e pelo artista Ross Andru (1927-1933) que teve sua estreia nas páginas da revista The Brave and The Bold n. 25. Composta por quatro membros - Rick Flag, Jess Bright, Dr. Hugh Evans e Karin Grace - esse quarteto tinha em comum a característica de reunir os sobreviventes de outras unidades e grupos que foram destruídos durante a II Guerra Mundial, todos carregando a característica culpa do sobrevivente que surge nessas situações.


Para quem não conhece, a culpa do sobrevivente é uma condição onde:

A característica mais marcante da culpa do sobrevivente é o seu julgamento moral de auto-culpabilização. É dirigida à sobrevivência não merecida do e da sobrevivente em contraste com as mortes das outras pessoas. Uma pessoa sofrendo de culpa do sobrevivente frequentemente declara que as pessoas mortas deveriam estar vivas em vez dela e dele próprio. Este sentimento pode ser ampliado quando a pessoa foi salva por outra que morreu.

Assim, esse grupo terminará assumindo missões de alto risco, sendo, basicamente, uma equipe de último recurso para lidar com situações e casos que nenhum outro grupo teve coragem ou condições de se voluntariar.


Capa de Star Spangler War Stories v1. #110 (1963) - A Segunda Versão do Esquadrão Suicida

Essa primeira encarnação da equipe, teve um vida bem curta (não, essa não foi uma piada intencional), aparecendo em apenas seis edições da The Brave and the Bold. O conceito, no entanto, não foi completamente descartado, aparecendo novamente nas páginas da edição 110 da Star Spangler War Stories em 1963. Nessa segunda esquadrão, também criada pela mesma equipe criativa de Kanigher-Andru, temos um grupo de soldados desconhecidos que, a cada história, precisavam lidar com sua cota de monstros, alienígenas e robôs, em uma abordagem bem próxima às histórias da época, que basicamente eram impregnadas dos elementos da ficção-científica ( lembre-se que os anos 1960 são marcados pela Corrida Espacial, o que influenciou bastante o imaginário norte-americano.)


O mais interessante dessa segunda versão, que apareceu em 11 edições da revista, está no fato da mesma possuir um elenco rotativo, apresentando membros diferentes a cada nova história. Estas, por sua vez, assumiam uma característica mais episódica ( narrativas auto contidas, com cenários e tramas variando a cada nova história).


No entanto, após a décima primeira aparição, esse Esquadrão Suicida também teve o mesmo final que seu antecessor, com seu conceito sendo enterrado até fins da década de 1980, quando teremos o lançamento do evento Lendas, e um novo capítulo na história do nosso esquadrão...



  • Uma Era de Heróis...e Vilões:


Capa Lendas #1 (1986)

Lançada pouco depois do encerramento do mega evento Crise nas Infinitas Terras, Lendas tem como objetivo apresentar o novo status quo do Universo DC pós-crise, apresentando não só as condições atuais de personagens como o Flash, agora não mais o Barry Allen, e sim seu sobrinho, Wally West, como também de equipes já tradicionais, como no caso da Liga da Justiça, que seria reformulada e entraria na lendária fase de J . M. DeMatteis, Keith Giffen e Kevin Maguire.


Ao longo de sua história, concebida por John Ostrander e Len Wein e com arte de John Byrne, acompanhamos a luta dos heróis do Universo DC contra uma campanha de difamação orquestrada pelo próprio Darkseid com o intuito de virar a opinião pública contra os super-heróis - em uma premissa bem próxima de Watchmen, diga-se de passagem. Uma das consequência dessa campanha será o corte de laços entre o governo e os superseres, o que deixará o primeiro sem uma importante força de defesa. E é nessa tentativa de se defender que é criada a Força Tarefa X, ainda durante o evento de Lendas.


Apesar de ainda em uma forma embrionária, a Força Tarefa já apresenta as características daquilo que será o Esquadrão Suicida moderno: o comando nas mãos de Amanda Waller, a figura de Rick Flag Jr. como líder de campo, a morte de um de seus integrantes já na primeira missão, a missão de eliminação realizada às escondidas e, claro, o uso de super-vilões, apresentando inclusive alguns membros clássicos da equipe, como o Tigre de Bronze, Pistoleiro e Capitão Bumerangue.


Apresentada em Janeiro de 1987, essa premissa irá frutificar em sua plenitude em Maio desse mesmo ano, quando Ostranger assumirá não só o título do Esquadrão Suicida, como também será o roteirista responsável pela história da edição 14 da série Secret Origins que irá estabelecer, de modo retroativo, uma cronologia entre os primeiros Esquadrões Suicidas e a versão atual da equipe, num dos melhores retcons dos quadrinhos.


Capa de Esquadrão Suicida de v1. #01 (1987)

Nessa terceira encarnação, a equipe é formada por Rick Flag, Pistoleiro, Tigre de Bronze, Sombra da Noite, Capitão Bumerangue, Magia, Karin Grace, Plastique e Verme Mental, sempre sob a direção e comando de Amanda Waller. Como grande diferencial, aqui temos uma equipe formada praticamente por super-vilões que, em troca de redução em suas respectivas penas, aceitam trabalhar para o governo norte-americano em missões de alta periculosidade e de natureza politicamente sensível.


E é aqui que chegamos no ponto deste artigo.


Mas afinal, para que serve o Esquadrão Suicida?


Pois bem, com a reformulação da equipe promovida por Ostrander, o Esquadrão passou a ter uma característica maior de uma equipe de black ops. Esse termo, oriundo do mundo militar, é geralmente utilizado no sentido de:

uma operação secreta ou clandestina realizada por uma agência governamental, unidade militar ou organização paramilitar, também podendo incluir atividades de companhias e grupos privados. Os pontos chave de uma black operation estão na sua natureza secreta e no fato de não poder ser atrelada à organização que a engendou. (tradução minha)

Particularmente, eu acho esse conceito simplesmente maravilhoso.


Por um lado, temos um grupo de super-vilões que, em troca da comutação de seus penas, aceitam trabalhar para o governo em missões de natureza sensível, mas com um grande risco para suas vidas. Do outro, temos um governo que, interessado em proteger seus interesses políticos-econômicos, encontra um grupo não só capacitado para fazer o que for necessário, como também ganha a ótima desculpa de serem vilões, de modo que, se a missão for um sucesso, o governo e a equipe ganha, mas, no caso de fracasso, apenas a equipe perde, visto que o governo pode simplesmente alegar que essa foi uma ação perpetrada por uma equipe de vilões, sem laços governamentais, e ainda se livrará dos custos inerentes ao encarceramento e manutenção desse indivíduo.


Em outras palavras, assim como na vida real, o establishment sempre ganha.


Mas vamos deixar essa reflexões depressivas para outra ocasião, sim?

Esquadrão Suicida em ação

E esta é a chave da questão: o Esquadrão Suicida como o conhecemos hoje, funciona muito melhor nos contextos de black ops, uma vez que não esse tipo de missão garante um grande nível a mais de risco para seus envolvidos, como também casa maravilhosamente bem com a equipe, dando sua individualidade em meio ao sem número de equipes presentes no Universo DC.


De fato, é como aquele trecho de entrevista que utilizei na abertura da resenha sobre o Hulk, que você confere aqui mas que vou reproduzir a seguir apenas para termos nossa base de discussão:


Em uma entrevista - publicada no Brasil no quarto número da série Mestres Modernos, Walter Simonson fez um comentário bastante interessante sobre o universo das HQs. De acordo com ele, as séries de quadrinhos - e consequentemente seus personagens - possuem um conjunto de temas recorrentes que acabam formando a identidade da série.
Ainda que no caso em questão estivesse falando sobre o Thor, não é preciso correr muito para perceber a verdade por trás dessa afirmação.
O Pantera Negra, por exemplo, lida quase sempre com dilemas em torno de sua identidade - seja como rei/herói/cidadão de um país e do mundo - ou com sua relação com seu país - e as frequentes tentativas de golpe de estado que se abatem sobre ele. O Capitão América, por sua vez, vai ter suas crises pautadas por sua relação com o ideal do seu país versus a realidade do mesmo. O Homem-Aranha lidará com a dinâmica de poder e responsabilidade, e como essa mesma responsabilidade afeta sua vida.

Assim, é uma verdade praticamente incontestável que todo personagem terá algum tipo de narrativa definidora, um princípio que definirá sua identidade e o diferenciará dos demais personagens existentes, um monomito, se você assim o preferir, ou, se quiseremos simplificar uma essência.


Quer um exemplo disso? Bem, pense no caso do Superman. Boa parte dos leitores tem o costume de reclamar que o personagem é muito bonzinho e seguidor de regras, e que precisaria ter mais nuance moral. Contudo, esse caráter de escoteiro é a própria identidade do personagem, o conceito principal que faz com que ele funcione. Tanto que, quando o personagem vai para o lado sombrio da Força, seja como vilão, seja como ditador, ele se torna apenas mais um cara super-poderoso e genérico, perdendo tudo aquilo que poderia lhe identificar com o Superman.


E no caso do Esquadrão Suicida, esse fato, naturalmente, se repete.


Desde sua reformulação, a essência do grupo se baseia no tripé: equipe rotativa, missões de caráter delicado e black ops. Ostrander, principal agente dessa construção, entendeu bem esse conceito, e podemos perceber isso claramente mesmo quando a equipe participou das mega sagas da DC na época, como no caso da Milênio, onde o Esquadrão é enviado para se infiltrar e destruir um das estações dos Caçadores. Assim, essa seria uma equipe que dificilmente assumiria a linha de frente de uma guerra ou conflito de maior escala.


Ainda que isso não seja uma verdade absoluta e imutável, é interessante perceber que toda vez que o Esquadrão Suicida se desvia desse tipo de vertente, ele perde um pouco de sua individualidade, se tornando mais uma super-equipe.


Como exemplo disso, temos o filme cometido em 2016. Ainda que existam muitas coisas erradas com aquilo - muitas mesmo - a equipe sofre uma descaracterização terrível quando a trama a coloca na missão de enfrentar diretamente uma ameaça global, numa tentativa bem descarada de transformar o Esquadrão na versão dos Guardiões da Galáxia do Universo Cinematográfico da DC.


Ainda que exista uma lógica por trás dessa decisão (aproximar um produto relativamente inédito como um grupo de vilões de um outro produto comprovado, no caso, o grupo de anti-heróis), o modo como a mesma é executada termina por transformar o Esquadrão em nada além de uma cópia barata, removendo, não só sua identidade, como também suas possibilidades narrativas.


Mas isso significa que os personagens e histórias estão fadados a se repetirem sempre em um mesmo padrão? Bem, essa é uma questão bem complexa e para a qual eu admito que não tenho ainda uma boa resposta. Para todos os efeitos, diria que sim e não. Sim, porque, pela própria natureza dos quadrinhos norte-americanos, os personagens irão possuir uma sequência de temas e ideias que irão, inevitavelmente terminar se prendendo aos mesmos, uma vez que permitirá à equipe criativa extrair o máximo de cada ideia.


Quanto ao não, bem, ainda que essas ideias possam servir de base para a identidade da história, a equipe criativa deve ter toda liberdade para brincar com os conceitos da forma que acreditarem ser a mais interessante para sua história. Da mesma forma, também podem brincar com a própria essência dos personagens, seja realizando releituras, ou mesmo reinterpretando/recriando os personagens, como no caso do Monstro do Pântano de Alan Moore.


Ainda assim, é sempre importante lembrar que não será todo roteirista que conseguirá fazer esse tipo de procedimento, da mesma forma, não será todo personagem que suportará esse tipo de processo.


Mas isso, acredito eu, será o tema para uma nova conversa, em um outro texto.


Pois bem, como é costume, vou deixar aqui algumas referências para o caso de você querer continuar, ou saber mais, sobre os temas que discutimos no texto de hoje, certo?


 


Referências:



Comic Fans Wouldn't Recognize DC`s Original Suicide Squad

Culpa do Sobrevivente

DC Fandom - The Brave an the Bold v.1 n.25 (1959)

DC Fandom - Suicide Squad Recommended Reading


 

E se você ficou interessado em saber mais sobre o Esquadrão Suicida, a Panini está relançado o período de Ostrander como roterista, e você pode adquirir esses encadernados nos links abaixo:


Link para Lendas - Grandes Eventos DC

Link para Esquadrão Suicida - Volume 1

Link para Esquadrão Suicida - Volume 2

Link para Esquadrão Suicida - Volume 3


Lembrando também que você não precisa necessariamente comprar os produtos indicados. Ao seguir por esse link e realizar uma compra, a Amazon também entende o processo como uma venda de afiliado, então, fica aí a dica = )


 

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