Na saideira do Halloween, trago aqui mais uma edição do Analisando Quadrinhos, desta vez, com o Monstro do Pântano de Alan Moore. Ah, só um aviso! Talvez essa seja uma história para maiores de 18!
Então, sei que pode parecer difícil de acreditar, mas adoro o Dia das Bruxas. Eu sei, eu sei, é chocante. Até hoje, não é algo que eu saiba explicar mas, há algo nesse dia, nessa normalização do estranho e do terrível, no uso de fantasias e nas lanternas de abóboras que sempre chamaram minha atenção.
Assim, em comemoração ao mês das bruxas, decide preparar uma série de conteúdos - como resenhas, recomendações e outros tipos de textos - voltados para o universo do terror. Hoje, vamos iniciar com mais um Analisando Quadrinhos, dessa vez, vamos nos debruçar sobre a edição 45 do volume 2 do Monstro do Pântano para discutir um pouco sobre a questão do tema e como ele molda uma narrativa.
O tema, a grosso modo, é uma ideia central que guia a história, sendo um eixo através do qual o escritor/roteirista desenvolve a narrativa, pautando suas escolhas e decisões - que devem, em um cenário ideal, reforçar o tema central da história.
Agora, antes de prosseguirmos, é preciso apresentar um breve contexto para essa história em particular:
A edição em questão faz parte do arco Gótico Americano que, tendo ocorrido entre as edições 35 - 50 (de abril de 1985 a julho de 1986) do volume 2 da revista do Monstro do Pântano, acompanhou o monstro em um combate contra uma seita que buscava despertar um horror lovecraftiano há muito adormecido. Para isso, os feiticeiros estavam despertaram uma série de monstros e atividades paranormais forçando nosso protagonista a viajar pelos Estados Unidos, enfrentando, a cada parada, não só um monstro clássico, como também um problema social característico ao contexto norte-americano dos anos 1980.
Obviamente, este é apenas um resumo bem grosseiro a respeito do arco, e, justamente para suprir essa demanda, separei uma série de links ao final do texto de modo a te garantir mais informações sobre o arco em si.
Feita essa introdução, vamos falar sobre a história propriamente dita:
História:
A história se inicia de modo aparentemente simples. No canto superior, um par mãos de martela um prego contra uma parede branca, acompanhado pela onomatopeia BANG, BANG, BANG. Abaixo, temos um duelo entre dois cowboys - Ed Clutty e o Holandês. Realizado dentro de um vasto salão vitoriano, os dois homens brigam por conta do resultado de um jogo de cartas. Exímios atiradores, cada um dos duelistas se dedica a atirar um contra o outro, arrancando pedaços um do outro até que possam resolver sua contenta de uma vez por todas.
E já aqui temos uma série de coisas que são importantes de se observar:
Vamos começar pelo quadro das mãos. Colocado no começo da página, na área superior, ele nos oferece uma série de informações para a história que vai se desenrolar:
1) Primeiro, ele trará um leitmotiv para a história. Leitmotiv é um termo originalmente surgido no universo da música e que é utilizado para designar uma sequência ou uma música que acompanha um determinado personagem, de modo a dar uma deixa para o ouvinte de quem está, ou estará, presente em cena. Para entender melhor, pense na Marcha Imperial. Toda vez que a ouvimos, sabemos que essa é a música do Darth Vader, e que, uma vez iniciada, será apenas uma questão de tempo até que ele aparece em cena. Da mesma forma, a música de Tubarão (1975) sempre aparece quando o monstro está prestes a atacar.
Apesar de ser mais comumente utilizado na música, a literatura, assim como o cinema, também possuí seus leitmotivs, e, no caso em questão, será a mão e o martelo, assim como sua onomatopeia (BANG), que serão parte dos motivos dessa narrativa - complementados com algo que veremos já na próxima página.
2) Por sua própria posição, a mão e o martelo criam a sensação de estar pendurando a sequência dos cowboys, como se a mesma fosse um quadro em uma parede. Essa sensação será reforçada ao longo da história, quando vemos que praticamente todas as páginas se encontram nessa disposição, como se os acontecimentos da história fizessem parte de uma história muito maior, ou, para manter a ideia dos quadros, fossem apenas quadros em uma grande galeria.
Talvez o mais curioso disso, porém, seja justamente o fato de que não só as mãos também se encontram envolvidas em um quadro - sendo, portanto, uma parte dessa história maior, como também o próprio som do martelo se encontra fora, fazendo parte, portanto, do eixo maior da história contada nessa tapeçaria.
Uma vez estabelecida a importância desse quadro, e também a hierarquia visual na página, podemos nos dedicar à história dos cowboys. Contada exclusivamente por meio de recordatórios, o violento duelo entre esses dois homens acrescenta três outra informações de extrema importância: o local onde essa disputa se desenrola ( um vasto salão vitoriano ), o primeiro vislumbre do tema, e a apresentação de tudo isso por meio de recordatórios.
Recordatórios são esses quadros de fala que aparecem nas margens superiores - ou inferiores - dos quadros, e trazem informações sobre a cena ou o pensamento dos personagens envolvidos. Apesar de também ser possível utilizar os balões de fala, e dos finados balões de pensamento, para executar essa mesma função, existe aqui uma grande diferença entre um e outro que precisamos levar em consideração em seu uso: a sensação de distanciamento.
Pois, aos olhos do leitor, o uso do recordatório provocará sempre uma sensação de afastamento com relação àquilo que está sendo apresentado, o que dará ao quadrinho a sensação de um relato do qual o leitor é apenas um observador. Talvez isso ocorra justamente porque os recordatórios não tem uma origem determinada na página, mas confesso que ainda não consegui descobrir as origens exatas disso.
De qualquer forma, teremos um texto exclusivo para os recordatórios no futuro e, até lá, prometo trazer essas informações que faltaram aqui. Palavra de escritor.
Um outro detalhe bem interessante à título de narrativa visual se dá no momento dos primeiros tiros, onde temos quadros inclinados e estreitos para denotar a velocidade do saque e dos disparos.
Quanto ao tema, bem, temos aqui 2 cowboys, que não só são parte da cultura norte-americana, como também um ícone cultural bem forte, em especial para o tema da nossa história.
Que vamos falar logo mais.
A página 2 se inicia da mesma forma que a primeira, com a diferença de que, ao invés da mão e do martelo, temos uma mão segurando uma carabina. Acompanhada pela frase:
"O som dos martelos não pode parar.
Abaixo da carabina, vemos um grupo de amigos - David e sua namorada Linda, e Rod e sua namorada Judith - no interior de um carro, com David contando a história a respeito da Mansão Cambridge. Essa mansão, segundo é dito, foi construída por Amy Cambridge com o intuito de apaziguar os espíritos daqueles mortos pelas armas produzidas por sua família. No entanto, há um porém. Diferente de uma mansão comum, as obras na Mansão Cambridge nunca foram interrompidas, sendo mantidas durante toda a vida de Amy, o que resultou em um bizarro labirinto de escadas, portas e quartos que sem qualquer tipo de uso.
Essa história, por sua vez, é inspirada na história da famosa Mansão Winchester, construída pela própria Sarah L. Winchester (1840-1922), herdeira da famosa marca de armas e que, segundo se diz, foi assombrada pelos espíritos daqueles mortos pelas armas de sua família, de modo que, para conseguir um pouco de paz, se viu forçada a participar de uma construção incessante, com quartos e cômodos sendo erguidos, derrubados e reconstruídos em uma base diária, tudo para apaziguar os espíritos dos mortos. Para mais detalhes, só seguir os links nas referências dos texto ; )
Creio que não preciso dizer que isso também está atrelado ao tema da presente história, certo?
Desnecessário dizer que nenhuma das pessoas do carro acredita na história de David, com suas reações variando entre a descrença e mesmo a zombaria propriamente dita. No entanto, ele se mantém firme em sua posição, mesmo enquanto o carro, com um adesivo da NRA (National Rifle Association, a Associação Nacional de Rifles organização pró-armamento norte-americana) se aproxima mais e mais da referida mansão.
É nessa página que temos a conclusão de nosso motivo, com a introdução da carabina e da frase "o som dos martelos não pode parar", que se repetirá ao longo de toda a história. De fato, aqui ocorre um pequeno trocadilho por parte de Moore, uma vez que em inglês hammer (martelo) pode significar tanto o instrumento como o cão da arma. Esse duplo sentido será bastante utilizado ao longo da história, ora representando a construção dos cômodos da Mansão Cambridge, ora as mortes provocadas por suas armas, em um ciclo perpétuo que manterá a casa sempre assombrada pelos espíritos dos mortos
Essa ideia de codependência já é trabalhada na própria Página 2, onde o quadro da arma se posiciona tal qual o quadro do martelo na Página 1 - exercendo, inclusive uma função similar - como também já é alternado com o quadro da martelo nessa mesma página, situado acima do quadro onde vemos o adesivo da associação.
Não só isso, aqui, o quadro do martelo também funciona como um anúncio lúgubre do destino do grupo de amigos, que, como veremos mais à frente, logo se tornará parte da história da Mansão e das armas Cambridge.
Prosseguindo com a história, o grupo estaciona o carro na área da Mansão, e começa a se aproximar da mesma. Enquanto conversam, temos vislumbres do relacionamento entre os amigos. Desacreditado e desrespeitado por todos, David funciona como a âncora do grupo no mundo real, sendo nisso acompanhado por Judith. Rod e Linda, no entanto, são os tradicionais adolescentes, flertando descaradamente na frente de seus respectivos cônjuges
A caminhada do grupo (Página 3) é retratada em quadros estreitos e disformes, que, além de reforçarem a ideia do movimento, servem também, como anúncios para os estranhos eventos que estão para presenciar. Não só isso, as súbitas mudanças de perspectivas entre os quadros também atuam no sentido de provocar desorientação no leitor, reforçando o senso de incerteza presente no lugar.
Mesmo quando os quadros retomam uma construção "normal", ela é logo interrompida por um súbito encolhido, que prepara o leitor para o choque que será causado com a revelação do tamanho da mansão, já na próxima página (Página 4), onde também seremos apresentados ao título da história Dança dos Fantasmas.
Apesar do choque provocado pelo tamanho da construção, isso não impede o grupo. de iniciar a exploração de seu interior. Essa decisão é antecedida por mais uma representação da carabina que, no sentido da história, assume a ideia de uma arma prestes a disparar - representando o evento que está prestes a ocorrer.
A decisão de entrar na casa demarcada a passagem do grupo pelo ponto de não retorno, onde, saindo do mundo "normal", eles se lançam rumo ao desconhecido. Essa transição é marcada pela sequência de quadros tortos e angulosos, que vão marcando, pouco a pouco, o senso de desorientação que, dentro da casa, se constituirá na nova realidade.
Um outro ponto de bem interessante na perspectiva da narrativa visual se encontra no movimento dos personagens, e que fica bem perceptível aqui. Iniciado ainda na página 3, há sempre algum tipo de movimento ocorrendo em cena, com os personagens, ou mesmo a perspectiva, mudando.
Por exemplo, veja essa detalhe da Página 5. Perceba como a mudança de enquadramento faz com que David (o de camisa azul) esteja sempre em algum ponto diferente, mas que, ainda assim, possui uma lógica. Rod (camisa verde) também segue esse padrão, assim como Linda (de vermelho). Para além do senso de desorientação, esse movimento dos personagens, que quase nunca se encontram na mesma posição de cena, imprime a história um senso de movimento, ou dança, se preferir.
Um outro detalhe importante apresentado por essa página, está no Quadro 5, onde podemos ver que Rod se encontra encarando o busto de Linda, levando os flertes inicias a um novo nível, que são agravados pela fuga dos dois em direção ao interior da casa.
Preocupados com a situação da mansão, David e Judith vão atrás dos dois fugitivos (Página 6), conversando sobre o fato de David jamais dar vazão à sua raiva. De fato, a repressão das emoções do amigo deixam Judy preocupada. Apesar da preocupação da amiga, David logo responde alegando que não há com o que se preocupar e exorta a companheira a ajudar na busca. É nesse ponto que ele abre a porta, apenas para se deparar com uma parede de tijolos no lugar de uma saída. Não só isso, para surpresa do homem, Judy também sumiu.
Nessa página, é importante perceber como as distorções entram em cena para tomar conta da página. Nesse processo, temos a transição definitiva do lugar conhecido para o labirinto confuso da Mansão Cambridge, com o senso de confusão sendo compartilhado com o próprio leitor por meio da disposição caótica dos quadros.
Essa mesma disposição será encontrada na Página 7, quando o foco muda para a busca de Rod por Linda. Nessa página, somos também apresentados ao primeiro da série de espectros que irá assombrar o grupo ao longo da sua visita. Aqui, há também a volta dos recordatórios, e é por meio deles que somos apresentados à história da fantasma Franny Mitchel, assassinada pela esposa ciumenta de seu possível amante. Um detalhe bem interessante aqui é que nunca vermos Franny. Sabemos, é verdade, que ela foi morta com um tiro na cabeça, por uma arma Cambridge, de onde sua preocupação com o uso de uma peruca que possa esconder seu ferimento mortal. No entanto, essa é uma informação que escapa a Rod que, acreditando estar diante de Linda, segue o espectro até o quarto.
Curioso notar, também, que Stan Woch posiciona Rod exatamente na frente de uma viga no Quadro 5, quase como se o homem se encontrasse diante de um pelotão de fuzilamento, prenunciando, assim, o destino que o aguarda.
Aqui, a sensação de afastamento mencionada acima volta com maior intensidade, principalmente quando vemos que enquanto o fantasma fala apenas por meio dos recordatórios, Rod, um ser vivo, fala por meio dos balões, gerando assim um estranhamento entre os dois mundos que se conectam no plano físico.
Uma vez na cama (Página 8), Rod começa a acariciar, e ser acariciado, por Franny, e é quando percebe que há algo de errado. Mais especificamente, ao passar a mão pelos cabelos da fantasma, ele nota que aquilo é uma peruca, e que, embaixo dela, há apenas uma ferida exposta.
Esse momento da chocante descoberta é apresentado de uma forma bem interessante, numa sequência de quadros que o acompanha no seu momento de regozijo máximo (Quadro 1) e vai gradativamente trazendo-o de volta, ou antes o derrubando, para o mundo real (Quadro 3). Essa construção, por sua vez, constrói um ritmo de suspense, uma vez que, a cada quadro, somos apresentados a mais informações sobre o fantasma. Não só isso, o aumento da proporção dos quadros também desacelera a narrativa, permitindo que a revelação ganhe um peso maior.
Em pânico, Rod foge, em uma sequência de quadros tortos, em direção à uma porta que o leva para uma queda de três andares, queda essa acompanhada impassível pela fantasma de Franny - e que, de certa forma, repete a queda inicial de sua percepção. Dessa vez, porém, a ideia de sua queda é sugerida pelo posicionamento do personagem, que se encontra em uma posição cada vez mais alta na sequência de três quadros, e pelo recordatório inferior do último quadro da página, que concluí a queda - sendo uma deixa visual para o movimento.
A morte de Rod é marcada pelo retorno do martelo no quadro inicial da Página 9, que, ao mesmo tempo em que anuncia seu fim, nos prepara para o que está por vir para Linda que, ao procurar por Rod, adentrou mais e mais no interior da mansão. Atraída por uma série de sons altos, ela se vê diante do salão do começo da história, onde vemos apenas os restos de Ed Clutty e do Holandês ainda entranhados em sua disputa. Horrorizada, a mulher recua, esbarrando nas vítimas de um pelotão de fuzilamento que, ainda vendados, tateiam à esmo procurando por seu caminho, e é ao sentir o contato gélido de seus dedos na sua pele, ela desmaia, ouvindo apenas os sons dos tiros ao fundo, com a figura da mão e do martelo surgindo novamente para encapsular o destino daqueles homens, assim como para prenunciar o futuro da jovem (Página 10).
Essas duas páginas trazem um jogo bem interessante. Seguindo uma lógica parecida com a da página de Rod (8), a Página 9 é construída com poucos quadros, cada um deles de tamanho regular, de modo a construir uma atmosfera de suspense que será resolvida já no Quadro 5, com a revelação do corpo dos cowboys.
Enquanto isso, a Página 10, seguirá pelo caminho oposto, trazendo não só uma boa quantidade de quadros, mas também muitos quadros pequenos e estreitos, o que, para além de reforçar o senso de desorientação e estranheza - sempre presente na narrativa - também aumenta a velocidade da narrativa, oferecendo uma grande quantidade de informações. Esse excesso de informações se resolverá com o desmaio de Linda, engolfada pelas mãos dos fuzilados, sendo um elemento visual que não apenas reforça o estado mental da personagem, sobrecarregada com as imagens horríveis que a cercam, como também a conduz na direção do desmaio.
Avançado com a história, vemos agora. o que houve com Judith que, tendo se separado de David, agora se encontra em uma sala preenchida por um único armário. (Página 11)
Afinal, o som das batidas não pode parar. Curiosa, ela abre a porta do armário, apenas para se deparar com uma manda de búfalos mortos correndo em sua direção. Sem pensar duas vezes, ela fecha a porta e se afasta. Apesar do medo, ela não consegue acreditar no que viu, e tenta, de algum modo, racionalizar aquela aparição (Página 12). E é nesse momento em que a manada arrebenta a porta do armário e, em rápida disparada, pisoteia a pobre mulher. Em comum, todos os animais ostentam ferimentos de balas.
Novamente, aqui podemos ver como o posicionamento dos personagens em cena conduz a visão do leitor, trazendo novamente a sugestão da dança no título da história.
Na Página 13, temos o início da conclusão da história, com a chegada do Monstro do Pântano no local. Enquanto isso, David, o único membro do grupo ainda consciente, se vê caminhando em meio à uma casa tomada por fantasmas. Índios e cowboys, maridos, esposas e mesmo crianças, todos eles mortos pelas armas da família Cambridge, se encontram vagando pelos corredores da mansão, ostentando em seus corpos as marcas dos tiros que ceifaram suas vidas.
A aproximação do Monstro é acompanhada por recordatórios, que se alternam ora em apresentar mais informações sobre os fantasmas, ora sobre os eventos que o conduziram até ali. Curiosamente, a ideia dos recordatórios aqui coloca o personagem em um nível próximo ao dos próprios fantasmas, uma vez que sua chegada passa a ser tratada como mais uma aparição.
Em pânico com as cenas de horror que está testemunhando, David corre desesperadamente pela casa (Página 14), até que termina por se encontrar com o Monstro do Pântano, que acaba de entrar na mansão. Nesse momento, pela primeira vez, temos a volta dos quadros com um padrão mais regular, produzido pela segurança que a presença do herói traz para a história, ideia essa que é reforçada pelo círculo de luz que une herói e vítima e que os destaca em meio às sombras.
Apesar da chegada do socorro, é tarde demais para David, que entra em colapso devido a tudo aquilo que testemunhou no interior da Mansão Cambridge (Página 15).Histérico, ele conta ao Monstro do Pântano tudo o que aconteceu e pede que ele ajude seus amigos, que se encontram perdidos em algum lugar da casa. Esse estado mental do personagem é reforçado pela estrutura de quadros da página, com suas mudanças de tamanho e de perspectiva:
Deixando o homem sozinho no hall de entrada, o Monstro avança em direção ao interior da mansão (Página 16), onde irá encontra Linda. Suas percepções a respeito da casa e dos seus ambientes serão transmitidas para nós através dos recordatórios. Aqui, conseguimos ver com maior nitidez o efeito de distanciamento que essas caixas de texto produzem, uma vez que, por mais que saibamos que esses são os pensamentos do protagonista, sua presença nos recordatórios dão aos mesmos o aspecto de um relatório, quase como se o personagem não fossem parte da história em que está inserido.
Um outro detalhe importante é ver como, a partir da chegada do Monstro do Pântano, os quadros vão começar a ter uma tendência se estabilizar, ganhando mais tamanho, ainda que prossigam com a tendência distorcida que dá o tom da história. Essa estabilização, por sua vez, indica ao leitor que, com a chegada do protagonista, o caso está para ser resolvido.
Percebendo que os fantasmas só ficarão quietos com o barulho dos martelos, o Monstro do Pântano começa a bater na pesada mesa do centro do salão (Página 17), fazendo ecoar uma vez mais o som das batidas na Mansão Cambridge. Sua estratégia é extremamente efetiva, de modo que os fantasmas são forçados para fora da casa, fugindo pelas chaminés, liberando, assim, a construção (Página 18). Encerrada essa ameaça, o Monstro vai embora da casa, mas não sem antes deixar Linda fora do recinto para ser encontrada por David. O que ocorre já no começo da Página 19. No entanto, esse não é um encontro feliz, uma vez que Linda confessa para o marido que estava tendo um caso com Rod, e o sumiço do amante deixa a jovem desesperada. Em choque, David pode apenas ouvir a confissão de sua esposa e, ainda atordoado, concordar em ajudá-la.
No entanto, percebam que, apesar da solução do problema principal, os quadros ainda permanecem com um posicionamento inclinado - que refletem além de refletir a perturbação dos personagens, são também uma importante deixa que nos informa que a história ainda não acabou.
As Páginas 20 e 21, apresentam o Monstro do Pântano retorna para seu lar, se encontra com John Constantine no caminho. Essa passagem, irá conectar a edição com o arco maior do Gótico Americano, sendo a linha que conduzirá o arco adiante. A saída dos personagens, por sua vez, é marcada pelo gradual encolhimento dos quadros á medida em que a dupla desaparece no horizonte.
A Página 22, a última da edição, nos apresenta o epílogo da história. Aqui, somos conduzidos à uma loja de armas, onde o vendedor, um senhor de idade, embala a arma recém comprada, elogiando o cliente por sua compra. Curiosamente, ele usa a expressão knock wood - uma expressão que indica desejo de afastar o azar, e que já foi utilizada anteriormente por outro personagem.
É somente no Quadro 3 que vemos quem é o comprador da arma é o próprio David, que agradece ao vendedor e parte para o carro. Nesse instante, os recordatórios voltam para nos apresentar como ele se sente com aquela arma - a sensação de segurança, conforto e poder, além de pertencimento - e sobre a conversa que ele planeja ter com Linda ainda naquela noite.
E no Quadro final da página, uma mão segurando um rifle, repetindo a ideia do Quadro 1 da Página 1, e encapsulando os dizeres com o motivo da narrativa, enquanto que, durante todo o caminho de volta, David consegue ouvir o martelar do sangue em suas têmporas. Afinal, o som dos martelos não pode parar.
Comentário:
Pois bem, acredito que a essa altura vocês já devem ter percebido qual o tema dessa história. Se não, vamos falar sobre ele agora.
O tema da presente história é o ciclo de violência das armas nos Estados Unidos. De fato, ao longo de toda a narrativa, Moore, Woch e Alcala, apresentam ao leitor informações e ideias relacionadas a esse tema, na verdade, desde a primeira página, quando apresenta os cowboys em seu duelo eterno. Figura bem viva no imaginário norte-americano, alimentado bastante pela indústria do cinema, os cowboys são a epítome do poder das armas, representando não só uma forma de resistência e luta, como também representando a própria expansão do país.
De fato, a própria escolha do cenário onde a história se passa - inclusive, inspirado em uma locação real - corrobora com esse tema, uma vez que nos apresenta os personagens dentro de uma casa construída pelo dinheiro do comércio das armas - e povoados pelos espíritos daqueles mortos por elas - em uma referência, talvez, a própria condição dos EUA como potência cujo crescimento e expansão territorial se viu pautado pela indústria armamentista.
Ainda nesse sentido, todos os fantasmas ali presentes, os cowboys, Franny, à manada de búfalos são todos fantasmas criados pelas armas Cambridge tendo sido marcados pela violência das armas em algum ponto de sua vida. Não só isso, o panorama que Moore apresenta, incluindo aí índios - e reforçando sua presença - , mulheres e crianças, oferece uma visão ampla e crua das vítimas das armas, que, apesar dos muitos discursos de proteção a elas associados, são muitas vezes usadas no sentido oposto, não discriminando entre gênero, idade ou racialidade.
Por fim, o final da história, que apresenta David comprando uma arma e voltando para casa para assinar sua esposa por conta do caso que ela mantinha com Rod, é mais um elemento temático, uma vez que apresenta a facilidade de se comprar armas, permitindo, assim, que o ciclo de violência e morte possa se perpetuar de modo infinito.
Essa ideia de repetição, é retornada constantemente ao longo da história, através da frase "o som dos martelos não pode parar", que presente em toda a narrativa, confere à mesma um ritmo próprio e repetitivo, como uma série disparos, e que se desenrola em meio a um vazio branco e sem forma, mesmo vazio que presente nos quadros do martelo e da arma, e onde ressoam a frase constante, que, ao lado dos recordatórios, faz com que o leitor tenha a sensação de que essa é apenas mais uma história, ou mais um relato, na vasta tapeçaria de eventos relacionados à violência das armas.
Em termos de narrativa visual, também possuímos uma série de deixas que retomam esse tema, seja por meio das figuras da mão e do martelo, assim como da arma e do rifle, apresentadas de modo constante, remetem sempre à ideia do tiro, seja pelo movimento executado, seja pelo som - as onomatopeias de BANG, BANG, BANG - seja pelo próprio jogo de palavras que une o martelo do instrumento com o cão da arma. Não só isso, a própria construção dos quadros, estreitos e inclinados, trazem não só a ideia da confusão, mas também a ideia do tiro, uma ação rápida, direta e precisa, que se assoma e se repete ao longo de toda a história.
E é assim, meu caro, que o tema de uma história pode influenciar as decisões narrativas = )
Bem, espero ter conseguido passar bem a ideia por aqui. Caso não, por favor, fique a vontade para me chamar e trocar uma ideia sobre o tópico, certo?
E por hoje é só!
E agora, como prometido, seguem aqueles materiais complementares para que você possa prosseguir com suas leituras e pesquisas sobre o tema do Monstro do Pântano:
Comic Book Herald - Swamp-Thing: American Gothic - The Dark Heart of a Nation Uncovered
Mundo Tentacular - História da Mansão Winchester
Matt Draper - Swamp-Thing: American Gothic (Vídeo Ensaio em Inglês)
Agora, para quem quiser conferir essa história, essa saiu no Volume 4 de A Saga do Monstro do Pântano. No caso da edição Absoluta - que reúne toda a saga em formato de luxo - creio que ela seja apresenta no Volume 2.
Ainda assim, essa é uma série que eu recomendo bastante ser acompanhada desde o início, assim, vou deixar aqui os links para as duas opções da revista pela Amazon, além do link do Volume 1, certo?
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Portanto, desde já meu muito obrigado = )
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