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  • Foto do escritorLucas Freitas

A Beleza da Batalha Impossível - Parte I - O Final Positivo

No texto de hoje, vamos falar um pouco sobre um dos meus tropos narrativos favoritos: a Batalha Impossível, onde um protagonista se vê diante de uma situação que está além de suas forças, e vamos analisando as implicações do resultado positivo desse cenário.


Homem-Aranha Vs. Fanático

Então, mais uma vez, volto aqui para falarmos sobre narrativa, e desta vez, sobre um dos meus tropos narrativos favoritos: a batalha impossível. E, apesar desse título já ser bem auto explicativo, não se preocupa que já vou fazer uma breve explicação sobre ele.


Mas primeiro, vamos por partes, sim?


O Que quero dizer quando falo em batalha impossível?


Talvez você já possa estar familiarizado com o termo tropo em sua versão em inglês graças ao TV Tropes. Caso não o conheça, um tropo narrativo é um padrão que se repete com uma certa frequência, e que também pode ser conhecido como clichê, ainda que sem a carga pejorativa que este último carrega.


Agora, quanto a batalha impossível propriamente dita, bem, isso é mais simples ainda de se explicar. Imagine os seguintes cenários: 1) O protagonista A se vê cercado pelas forças do inimigo, em uma desproporção tão grande que é claramente impossível que o protagonista possa ter uma chance de vitória;


2) O protagonista se deparou diante de um antagonista B cujo poder é tão inconcebivelmente maior que o herói sabe que não terá a menor chance de vitória. Se muito, conseguirá apenas atrasá-lo;


Capa de Daredevil v1.#7

Diante desses dois cenários, existem duas saídas possíveis para nosso protagonista: no primeiro cenário, o positivo, ele, reunindo todas as suas forças - e coragem - se lança no confronto, resistindo até sua última grama de força até que, para sua surpresa, ele consegue vencer a situação - ou, se não, conseguir um empate. Já no segundo cenário, apesar de seus melhores esforços, o herói é derrotado - caindo, ou não, em batalha.


Viu? Eu disse que era um conceito simples.


Ainda que partam de um mesmo princípio, acredito que cada um desses resultados traz um peso e uma leitura próprios, motivo pelo qual vou dividir essa discussão em duas partes, de modo a facilitar a absorção do conteúdo.


Hoje, vamos nos concentrar no caso positivo e entender um pouco melhor as implicações que essa saída traz consigo. E quem melhor para nos ajudar nesse estudo de caso do que o Amigão da Vizinhança, o Homem-Aranha?


Homem-Aranha de Ron Frenz

A escolha do personagem não é de todo inusitada. De fato, como já discutido em ocasiões anteriores, o personagem, sendo sempre guiado pelo seu lema de "com grandes poderes vem grandes responsabilidades", é quase inevitável que o Aranha termine se envolvendo com esse tropo da batalha impossível. Tanto é que, muitos de seus momentos definidores vem justamente desse tipo de situação.


Como exemplo disso, vou pegar dois casos: o primeiro, talvez O momento definidor do personagem, no arco Se Este For o Meu Destino, ainda na era de Ditko-Lee à frente do personagem; já o segundo, é um dos meus momentos favoritos do Homem-Aranha, seu primeiro confronto com o Fanático, na história em duas partes Nada Pode Deter o Fanático.


Mas, como sempre, vamos por partes, sim?


Estudo de caso: 2 exemplos da batalha impossível em ação:


  • Se Este For o Meu Destino ( The Amazing Spider-Man v1.# 31-33):


Capa de The Amazing Spider-Man v1.#33

Publicado entre setembro de novembro de 1965, o arco Se Este For o Meu Destino é um dos marcos na trajetória do Homem-Aranha, sendo referenciado até os dias de hoje.


Para quem nunca leu a história - o que eu recomendo bastante - basta saber que o personagem está atrás de um determinado artefato que poderá curar sua Tia May, que está sofrendo por envenenamento radioativo. O grande problema, porém, é que esse artefato foi roubado, o que lança o herói numa perseguição implacável que, eventualmente, o leva a um confronto direto com o Dr. Octopus. Como resultado desse duelo temos não só a destruição do laboratório subaquático do vilão, como também com o soterramento do Homem-Aranha sob toneladas de entulho, enquanto as águas do rio acima invadem as ruínas da construção.


E é aqui que teremos nosso primeiro exemplar da batalha impossível.


Apesar de ser um herói com força sobre-humana, a verdade é que o Homem-Aranha está longe de demonstrar os níveis de força de um Hulk ou de um Thor, estando, no melhor dos casos, apenas acima de um ser humano normal. Assim, as toneladas de entulho que soterram o personagem representam um peso que o mesmo não seria capaz de erguer, sendo, portanto, condenado a perecer naquele túmulo subaquático.


No entanto, mesmo ciente de sua própria incapacidade de lidar com aquela situação, o Aranha persiste, lembrando-se não só daquilo que está em jogo ( a saúde de sua tia ), como também de toda a responsabilidade que ele carrega, assim como todas as possibilidades que a vida ainda lhe guarda, conseguindo, assim, forças para forçar sua fuga em uma construção belíssima onde o peso físico e metafórico convergem em uma grande sequência magistralmente elaborada por Steve Ditko.


Homem-Aranha ergue os destroços de um laboratório em sua primeira grande batalha impossível

Este é, sem sombra de dúvidas, um dos marcos definidores na trajetória do personagem, sendo sempre reapresentando de uma forma ou de outra pelas equipes que trabalharam com o Homem-Aranha tanto nos quadrinhos quanto em outras mídias, como cinema, animação e videogames.



Mas o que faz esse momento funcionar tão bem, além da própria narrativa visual, é a fusão das características físicas (o peso dos escombros) e emocionais (os problemas e ansiedades que acompanham Peter em seu dia a dia) de modo que, a luta do personagem, apesar de se dar no plano físico, é também uma luta emocional, e aqui já temos uma pista sobre o porquê do fascínio da batalha impossível.


Agora, vamos para nosso segundo, exemplo, sim?


  • Nada Pode Deter o Fanático (The Amazing Spider-Man v1. # 229 - 230):


Capa de The Amazing Spider-Man v1.#229

Nesse arco em duas partes, escrito por Roger Stern e com arte de John Romita Jr. e Jim Mooney, temos o confronto entre o Homem-Aranha e o Fanático, um vilão tradicionalmente associado aos X-Men, que, motivado pelo seu associado de longa data, Black Tom Cassidy, vai atrás da Madame Teia, para que assim a dupla possa utilizar os poderes de previsão da aliada do Escalador de Paredes para seus próprios fins.


O que se segue é uma batalha desesperadora onde o Aranha, sem ter como competir com o Fanático mal consegue atrasá-lo, de modo que ele não apenas alcança a Madame Teia, como também a deixa às portas da morte, o que motiva o Escalador de Paredes a perseguir o vilão e detê-lo, ainda que não saiba como, em uma batalha que leva o herói à própria exaustão.


Assim como ocorre na estreia do personagem nas páginas dos X-Men , é interessante ver como o confronto vai escalando ao longo das duas partes da história, iniciando com uma trocação franca, mas logo evoluindo para arremessos de vigas e materiais pesados até chegar ao uso de um caminhão de construção como arma, tudo isso na tentativa de deter um vilão que, como todos sabem, não pode ser parado - ainda que aja grande espaço para contestarmos essa afirmação.


Homem-Aranha vs. Fanático - A batalha impossível em formato de adversário

No fim dessa batalha impossível a vitória chega, mas não graças à força do Aranha, mas graças à determinação e a mais pura sorte do herói, uma vez que, sem saber, ele foi conduzindo o Fanático até as fundações de um prédio em construção, onde o vilão afunda no cimento fresco - prisão essa que o conterá por meses.


E aqui temos o segundo elemento chave para nossa análise.


Ao vencedor da batalha impossível...


Mas então, os dois casos que eu selecionei são bem interessantes porque apresentam duas demonstrações bem específicas da batalha impossível. Na primeira, temos o herói enfrentando uma adversidade (o laboratório que desaba) ao mesmo tempo em que desafia suas próprias limitações (físicas e emocionais); no segundo, temos o herói enfrentando um vilão cujo poder, em muito, supera o seu.


Em comum, ambos os casos levam o Homem-Aranha ao seu limite, forçando ao máximo para que obtenha a vitória, ou o mais próximo disso que a situação permite.


Agora, você deve estar se perguntando "certo, Lucas, mas qual a diferença entre essa tal de batalha impossível e os desafios que sempre aparecem nas histórias, ou mesmo dos desafios que fazem parte da Jornada do Herói?". Bem, essa é uma ótima pergunta, e aqui vai a minha resposta:


Diferente dos desafios normais, que servem para atestar o valor do herói, a batalha impossível tem como cerne a provação do herói à enésima potência, oferecendo-lhe uma oportunidade não só de se provar (no sentindo mais abrangente da palavra), mas também de se elevar, alcançando, assim, um nível diferente daquele em que se encontrava no ponto inicial da aventura.


Homem-Aranha levantando escombros por John Romita Jr.

Agora, e aqui vamos entrar na minha opinião, certo?, o que acho mais interessante na batalha impossível é o que ela nos traz para além do texto. Porque, ao enfrentar uma adversidade tida como invencível e vencer, mais do que provar a si mesmo, o protagonista termina por se transformar em um um símbolo de algo muito maior: o símbolo do espírito de luta, e persistência, do ser humano.


Certo, sei que isso soa como um cliché, e é até mesmo algo bem melodramático, mas ao meu ver, é esta a maior recompensa que esse tipo de tropo traz para o leitor/espectador: um exemplo de força e persistência, mas também de esperança. Um símbolo capaz de, mais do que simplesmente nos servir de exemplo, se conecta conosco em um nível quase que subconsciente, se refletindo em nossas próprias lutas e, justamente por isso, se transformando tanto em um ponto de apoio quanto em um norte que nos ajuda a seguir em frente em nossas próprias batalhas.


Assim, mais do que apenas uma vitória, é na batalha impossível que o herói se torna humano, por mais que super-humano que seja, alcançando assim, uma conexão que transcende as palavras.


E não é para isso que procuramos nossas histórias?


Mas, novamente, esse é o meu jeito de ver.


É claro que esse é o efeito do final positivo da nossa batalha impossível. Mas existem ocasiões em que, mesmo com todo seu esforço, o herói falha, e são essas ocasiões, e essa leitura, que irei trazer na parte II deste ensaio.


Nos vemos lá = )


 

Referências e leituras complementares:


CBR - If This Be My Destiny – The Spider-Man Comic Arc That Changed Everything (Artigo)

Galeria da Meia-Noite - Analisando Quadrinhos: X-Men v1. 12

In Search of Steve Ditko (2007) - Documentário da BBC

Marvel - Daredevil v1.#7 (1964)

Screenrant - Spider-Man Beat Juggernaut in The CRUELEST Way Possible (Artigo)

TV Tropes


 

Se você gostou deste texto, pode se interessar também por estes outros artigos que fiz sobre narrativa:



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